O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa comemora-se, isto é como quem diz, a 3 de Maio. Em Angola não há Dia Mundial que nos valha. E não há porque aos jornalistas (pensamos, queremos ainda pensar, que são eles que fazem a informação) restam duas opções: serem domados ou serem… domados. Mas há sempre quem resista.
É claro que, no próximo Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (repugna-nos comemorar uma coisa que não existe), veremos toda a espécie de altos dignitários do regime, quiçá até mesmo o Presidente João Lourenço, a dizer que são a favor do direito universal à liberdade de expressão.
Se calhar, com a hipocrisia típica e atávica que caracteriza os donos da verdade em Angola, até veremos alguns dos carrascos a recordar que os jornalistas têm sido assassinados, mutilados, detidos, despedidos e por aí fora por exercerem, em consciência, a liberdade de expressão à qual, em teoria, têm direito.
Aliás, estamos mais uma vez à espera de ver muitos dos malandros do regime que amordaçam os jornalistas aparecerem na ribalta com a bandeira da liberdade de expressão. Se calhar até João Lourenço será visto na ribalta com a bandeira desta causa.
E se até agora o principal barómetro da liberdade de Imprensa era o número de jornalistas mortos no cumprimento do dever, hoje junta-se-lhe uma outra variante para a qual Angola dá um notório e inédito contributo: os jornalistas mercadoria.
E até veremos alguns dos algozes da liberdade de expressão (desde os donos dos jornalistas aos donos dos donos dos jornalistas) citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
Há alguns anos, o então secretário-geral da ONU defendeu uma tese que se tornou suicida no caso angolano. Kofi Annan disse que os jornalistas “deveriam ser agentes da mudança”.
Eles tentaram, eles tentam, eles continuarão a tentar o que aliás sempre fizerem, mudar a sociedade para melhor. Acontece que o seu conceito de sociedade melhor não é igual ao dos donos do reino, José Eduardo dos Santos ontem, João Lourenço hoje. E a resposta não se faz esperar: Jornalista bom é jornalista no desempregado ou amputado da coluna vertebral e, por isso, tapete do Poder.
Angola é o país africano de língua portuguesa com pior classificação no índice de liberdade de imprensa da Freedom House, enquanto Cabo Verde é líder na África Subsariana, seguido de São Tomé e Príncipe.
O relatório “Liberdade de Imprensa 2017”, daquela organização com sede em Washington, nos EUA, mostra que entre os 50 países e territórios investigados no continente, Angola ficou na 37ª posição, com 73 pontos numa escala de 0 (melhor) a 100 (pior), e no grupo dos países não-livres em matéria de liberdade de expressão e de imprensa. A nível mundial, Angola ficou na 159ª posição, num universo de 199 países e territórios analisados.
Por seu turno, Moçambique e Guiné-Bissau estão no grupo dos países parcialmente livres. O país do Índico ocupa a 13ª posição no continente e a 96ª a nível mundial, com 48 pontos na escala de 0 (melhor) a 100 (pior). A Guiné-Bissau surge mais abaixo no índice, no lugar 28 em África e 128 a nível global, com uma pontuação de 59.
Cabo Verde e São Tomé e Príncipe surgem nos dois primeiros lugares do índice de África, respectivamente, e ambos integram o grupo de países livres, tanto a nível da liberdade de expressão como de imprensa. Com 27 pontos na mesma escala, Cabo Verde ocupa a 48ª posição a nível mundial. São Tomé e Príncipe, que é segundo em África, situa-se no 53º lugar a nível global, e com 28 pontos.
A seguir aos dois arquipélagos lusófonos, nos primeiros cinco lugares do continente africano surgem as ilhas Maurícias, Namíbia e Gana. No fim da lista, estão Gâmbia, Guiné-Equatorial e Eritreia.
A Freedom House revela que nos 50 países e territórios da África Subsariana, num total de mil milhão de pessoas, apenas seis por cento vivem em países considerados livres, tanto quanto à liberdade de expressão como de imprensa.
Mais de metade, 54 por cento, vive em países parcialmente livres e 40 por cento em Estados ou territórios não-livres. Os investigadores exemplificam que em cada 100 africanos ao sul do Sahara, apenas um desfruta da liberdade de imprensa.
Com o título “Liberdade de imprensa sofre com líderes que se agarram ao poder”, o relatório da Freedom House considera que a maioria dos países da região registou um declínio da liberdade de imprensa em 2017, devido à agitação política, supressão ou adiamento de eleições e uma maior repressão por parte dos líderes políticos.
Em termos gerais, “somente 13 por cento da população mundial goza de uma imprensa livre, ou seja de um ambiente em que a imprensa faz uma forte cobertura dos factos, a segurança é garantida, a influência do Estado no sector é mínima e os meios de comunicação não estão sujeitos a onerosas pressões jurídicas e económicas”.
Ainda de acordo com o relatório daquela organização, 42 por cento da população mundial tem uma imprensa parcialmente livre, enquanto 45 por cento vive em países onde a imprensa não é livre.
Um mero exemplo
No dia 19 de Março de 2015 o então Ministro da Justiça de Angola, Rui Jorge Carneiro Mangueira, afirmou perante o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas que o seu Governo considerava a liberdade de expressão como um direito fundamental desde que não viole a reputação do cidadão.
Angola tinha sido confrontada perante o Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a liberdade de expressão, de manifestação e restrições a activistas.
Angola “considera que a liberdade de expressão é um direito fundamental (…) desde que esta não viole o respeito à honra, ao bom nome, à reputação, à imagem e à vida privada do cidadão”, disse Rui Mangueira.
De acordo com o ministro, esta restrição pretende proteger os cidadãos lesados e não deve ser interpretada como uma limitação da liberdade de expressão.
“A limitação prevista na lei visa somente proteger o interesse dos cidadãos ofendidos (…) daí que não se pode interpretar como intenção do Governo violar ou restringir o direito à liberdade de expressão”, argumentou.
Em declarações à imprensa, o governante indicou que a liberdade de expressão e o direito de manifestação e de reunião são cumpridos no âmbito da legislação.
O ministro disse ainda que o recurso ao sistema judicial acontece quando situações ultrapassam as leis. “O sistema judicial é chamado a tratar de todas estas questões sempre que elas ultrapassam as leis (…) sempre serão tratadas pelo sistema judicial, que é um sistema independente e credível”.
Segundo Rui Mangueira, sempre que alguém é detido, há uma instrução preparatória e uma instrução contraditória. Caso se apure a responsabilidade do autor da ofensa, o caso é levado a tribunal.
“A calúnia e a difamação estão tipificadas na lei e os magistrados judiciais devem apenas obediência à lei e nós sujeitamos todas estas questões ao impulso das partes lesadas”, disse o ministro de Justiça angolano sem dar mais pormenores.
O governante reafirmou ainda o compromisso do Governo na cooperação com os mecanismos Internacionais dos direitos humanos e indicou que Angola estava a analisar a parceria sobre a Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva (EITI) e daria a conhecer aos membros das Nações Unidas a sua posição logo que esteja concluída.
Mais um exemplo
Nesse mesmo dia, 19 de Março de 2015, a Federação Internacional das Ligas dos Direitos do Homem (FIDH) denunciou que activistas dos direitos humanos e jornalistas angolanos estavam a sofrer uma pressão crescente por parte do regime do Presidente José Eduardo dos Santos.
Visivelmente a FIDH não percebe nada da matéria e ainda não compreendeu que, afinal, o regime angolano (seja o de Eduardo dos Santos ou de João Lourenço) é uma das democracias mais avançadas do mundo, rivalizando essencialmente com a Coreia do Norte.
Aliás, todos sabemos – e não é um exclusivo do regime angolano – um bom jornalista é um jornalista… morto.
E então os dos órgão do regime? Com esses é diferente. Desde logo porque não são jornalistas mas, apenas isso, sipaios e mercenários ao serviço de tudo aquilo que os dólares compram. Ontem diziam que os jacarés eram vegetarianos, hoje garantem que não temos jacarés.
“Esta situação deve cessar e as autoridades angolanas devem aceitar as vozes dissidentes” declarou a FIDH que, com a associação angolana Justiça, Paz e Democracia (AJPD), publicou um relatório que acusava o regime angolano de assédio judicial e administrativo, intimidações e ameaças.
Nesta matéria, todos os que se atrevem a mostrar que pensam de forma diferente da formatada pelos cânones da educação patriótica sabem que – como manda a lei suprema do MPLA (que se sobrepõe à Constituição) – todos são culpados até prova em contrário. Prova essa que nunca existe.
A publicação deste relatório ocorreu, curiosamente, antes da abertura do processo do nosso colega Rafael Marques, processado por alguns generais por difamação depois de publicar um livro a denunciar as torturas e violências cometidas nas regiões diamantíferas.
“As irregularidades no processo observadas desde a acusação de Rafael Marques em Janeiro de 2013 mostram claramente que não vai beneficiar de um processo igualitário”, sublinhavam as duas organizações, vendo aí uma prova suplementar da vontade do regime de travar a liberdade de expressão.
Mais uma vez estas ingénuas organizações cometem um erro basilar. Não é possível travar o que não existe. E liberdade de expressão – in loco – é algo que não existe. O regime anterior bem procurou travestir a propaganda em liberdade de expressão, mas só convence os angolanos pela força da repressão, pela barriga vazia. O actual regime voltou a travestir a questão, contratando para o efeito estilistas mais criativos.